21 de dezembro de 2009

ARTE DE CONDUZIR*

“Boa tarde, por gentileza aonde o Senhor vai? Qual o caminho de preferência?”. Assim se inicia o discurso rotineiro de Antônio Carlos Ross de Abreu, o Seu Toninho, como foi apelidado carinhosamente por seus clientes. Ele e cerca de quatro mil indivíduos dirigem carros alaranjados na capital. São os psicólogos urbanos, os ouvidos que fingem não escutar, os taxistas, ou, formalmente, os Auxiliares de Condutor Autônomos.

A Lei nº 3.790, que estabelece normas para a exploração de serviços de táxis, caracteriza o veículo como automotor e destinado ao transporte de passageiros. Apesar dos conceitos burocráticos, para o condutor, o táxi está além da condição de ganha pão. É uma caixa de surpresas: o mecanismo de transporte eficiente e terapêutico.

Seu Toninho trabalha a 32 anos em cima das quatro rodas. “É a minha cachaça”, comenta e ri alto. A história começou quando um amigo lhe disse que suas feições pareciam com a de taxistas. O bigode graúdo acinzentado quase esconde sua simpatia. Ao tirar a primeira carteira de habilitação, com dezoito anos, aderiu à profissão. Simples. “Tirei a CNH de manhã e de noite já estava no batente”, conta. Trabalhou por trinta anos sob o Sol, trocando para a noite somente em 2007. Uma escolha corajosa. Além dos temores da escuridão, entre fantasmas e histórias mirabolantes, Toninho tem que enfrentar também a violência. Já foi assaltado à faca quatro vezes. Levaram tudo.

A arte da retórica está entre seus poderes. Os menos de um metro e sessenta disfarçam a grandeza de pensamentos. Seu Toninho é um homem de palavras. Gosta das conversas de bar, dos discursos políticos, do zumbido sonoro do rádio e, principalmente, das frases soltas no banco traseiro. Basta um suspiro para que o diálogo inicie: “tem gente que chama o táxi somente para desabafar. Fiz um amigo assim”. Este homem o solicitou e pediu para andar sem destino. Acabou relatando sua história e pedindo conselhos. Tomaram uma cerveja. Foi a garantia para criar uma amizade próspera que data mais de três anos.

A ideia de táxi se mostra muito antiga. Um dos primeiros serviços do gênero surgiu com carroças de duas rodas puxadas por um homem: os riquexós. Quase igual a dos papeleiros – cartões-postais contrastantes na capital gaúcha. Na Roma Antiga também circulavam pelas ruas as liteiras. Eram cadeiras transportadas por dois escravos. Quem desejasse dar um passeio deveria pagar um preço pré-estipulado pelo amo. Apesar das discussões em torno da gênesis, o ressalve importante é de que o táxi somente reconheceu-se como tal a partir da criação do taxímetro. Freidrich Grener, empresário do ramo, introduziu o contador no início do século XX.

Em Porto Alegre o sistema é usado há trinta anos. Primeiramente é cobrada uma taxa de bandeira – a largada. Ela modifica conforme o horário. Para se sentar no veículo, portanto, pagam-se três reais e trinta e seis centavos. A cada cem metros do percurso, vinte centavos são somados. E quando o veículo está parado, quarenta segundos equivale a um quinto de real. Em média, cada quilômetro custa um real e sessenta e oito centavos.

O sistema de rotatividade dos transportes, em qualquer cidade brasileira, normalmente é feito a partir da tele-táxi ou dos pontos. Quem deseja seguir carreira deve fazer um curso, procurar um carro e ir até o EPTC para se credenciar. O novato passará a pagar uma mensalidade à empresa ou terá um local fixo. Quando filiado, deverá seguir a dinâmica: se necessário chama-se aqueles que estiverem mais perto. Se não houver ninguém, busca-se através das frequencias do rádio. O condutor pode, ainda, pegar pessoas na rua. “Nós ganhamos 25% em cima de cada corrida. Em um dia normal levo entre quarenta e cinquenta reais para casa”, explica Seu Toninho.

Classificada como médio porte, a TransTáxi existe há dez anos. Com nove telefones, três atendentes por turno, um operador e uma estagiária, recebe duas mil ligações por dia. Cento e sessenta viaturas estão nas ruas. O mês um e dois são os mais tranquilos do ano, ao contrário de dezembro, que apresenta um fluxo mais intenso. “Nas sextas-feiras e nos feriados é que complica”, fala Júlio César, gerente da organização. Com as festas de final do ano todos os espaços da cidade ficam lotados. Mas os donos não se preocupam. “Para os tele-táxis, o verdadeiro cliente é o taxista, pois são eles que pagam a mensalidade”, explica o gestor. O passageiro, neste caso, é a matéria prima.

DIREÇÃO? POLÍTICA

Dentro da categoria de taxistas existe movimentos de integração. O SinTaxi, Sindicato dos Taxistas do Rio Grande do Sul, possui dezesseis anos de trajetória. Cuida das reivindicações e anseios da classe, garantindo serviços administrativos e jurídicos, despachantes, médicos e dentistas. É a mãe-coruja do ramo. Do mesmo modo, em Porto Alegre encontra-se a Cooperaux (Cooperativa dos Motoristas e Proprietários de Veículos de Aluguel do Estado do Rio Grande do Sul). Destinada também aos ônibus lotação e carros de aluguel, foca principalmente nos assuntos de segurança pública.

Seu Toninho, grande agitador social da Cooperaux, batalha em prol do grupo. Com o slogan “Toninho Esporte Show”, o veterano tentou se eleger vereador na última eleição. A campanha conseguiu mil e um votos. Número grande para uma comunidade pouco valorizada. “Essa safra nova de taxistas está dando uma imagem muito baixa do motorista”, reclama, ríspido, Toninho. Além de muitos considerarem os donos dos carros alaranjados mal educados, eles próprios acabam cometendo gafes. Caminhos confusos, falta de respeito, mau humor, além de abusos sexuais e envolvimento com drogas. O motivo é o contato direto com as massas. O dia-a-dia árduo e quente do asfalto.

Ao contrário da maioria, Toninho acredita na força de vontade. Seu objetivo é fazer bem feito. O maior sonho é construir uma sede para a Associação dos Taxistas. Para isso, entretanto, é preciso empenho e contatos. No próximo ano pretende concorrer a Deputado Estadual. Há muito que correr.

Seu Toninho não se vê longe das rodas. Paciência é sua virtude. Persistência o maior valor. Com um leque de sessenta clientes fixos, espera pelas ligações. Mora no mesmo lugar a vida inteira, porém não se considera acomodado. Luta pelo direito de ser cidadão. O táxi? Uma paixão. A vida? Passageira. E finaliza: “considero-me um profissional”.


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*Matéria feita para a cadeira de Jornalismo e Literatura. 2009/2

Um comentário:

Unknown disse...

Oi Luiza!

¡Que bueno que escribes! me gusta mucho tu blog...aqui en Lima es diferente, los taxis son de color amarillo (amarelo)...aunque hay algunos taxistas que no pintan sus taxis del color reglamentario... ;)
y sus tarifas no se basan en el tiempo...depende de lo que te quiera cobrar cada taxista, según la distancia. No sabía que allá los taxis eran anaranjados. :)
¡Felices Fiestas!
Un beso