Lembro-me bem daquele dia. Na verdade eram alguns dias. Dias em que eu visitava meu avô para aprender a ler. Não me lembro exatamente da data em que me alfabetizei, acredito que seja um processo demorado. Mas lembro-me desses momentos em especial, em que eu me sentava frente à sua barriga redonda e prestava atenção.
Tudo começava no sofá da sala. Era de couro marrom e molenga. Sentávamos um ao lado do outro e ele puxava os bloquinhos de recorte de processo. Coisas de advogado. Para não gastar papel, dividia as folhas já usadas em dois e grampeava. Esperto.
Bom, estávamos lá, eu tentando prestar atenção, ele pensando nas palavras que viriam a seguir. Começava sempre com as fáceis. Duas vogais separadas por hífen: bo-la, ca-sa, me-sa. Esforçava-me e gaguejava. É cansativo aprender a ler. Ele me acompanhava movendo os lábios que eu quase não via por trás do seu bigode acinzentado.
Quando a aprendizagem se deu por completa - acredito que um ano depois do primeiro encontro - eu passei a frequentar outro ambiente da casa. Na sala-de-estar um objeto em especial me chamava atenção: a máquina de escrever. Chegava perto, meio sem jeito, não sabia como domá-la. O ritmo do tlec-tlec-plim é que me encantava. E assustava um pouco também. Era mágico demais para ser verdade.
Passei a querer frequentar aquela casa encantada sempre. Porém, só podia nos finais de semana - tarefa árdua para uma ansiosa. Quando chegava o dia esperado a rotina era sempre a mesma: um beijo em cada um, alongamento de dedos e dedilhar de teclas. Divertia-me inventando histórias sem pé nem cabeça, que gostava de ilustrar depois. Eram as minhas brincadeiras de criança, que talvez tenham influenciado nas minhas escolhas de agora. São efeitos de um avô comprometido com a sua neta. E são esses pequenos incentivos que constroem os valores que preservamos hoje.
Ele já partiu para outras missões mais difíceis há quase um ano. A saudade é grande, mas tenho certeza que me deixou a melhor herança de todas: as palavras.
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2 comentários:
chorei, muito tu!
Em uma tarde de muito trabalho resolvo tirar uns minutos de descanso...
Então ao passar o olho pela minha lista de contatos do MSN encontrei um endereço que me chamou a atenção... O endereço do Blog Lú, minha ex-priminha ( Agora uma Mulher).
Lendo alguns de seus posts me deparei com esse... o qual me emocionou muito...
Rapidamente veio a minha cabeça imagens do Vô Toninho boiando no mar, fazendo churrasco, dormindo na cadeira e na rede da praia... Um aperto enorme no coração, e uma lagrima desceu costeando meu nariz e caiu em cima do meu teclado...
Assim como tuas semanas demoravam a passar na espera de ver o Vô Toninho, era o minhas tardes de verão na espera dele para ir para o mar... Quando pequeno eu só podia ir para o mar com o Tio/avô Antoninho!!!
Ele foi e sempre será um ser impar... Não esqueço daquele joguinho de formar palavras que jogávamos; de contar os carros, por marca, que passavam lá na rua Florianópolis entre outras coisas que ficarão na minha memória eternamente...
Ele me deixou só lembranças boas, a única coisa que não gosto muito é a saudade que ele faz...
Sucesso na tua vida ex-priminha e agora primona eheheh
Beijos prima
Jorge Luiz
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