9 de setembro de 2009

OBSERVAÇÃO

São 10h:02min. “Aqui é só para clientes Van Gogh, mas como tem pouca gente hoje vou deixar”, disse a moça, com ar de criança que comete uma travessura. Após receber uma resposta mal educada do cliente, responde: “Coloca teu nome na lista e aguarda”. Abaixou a cabeça e tornou a fazer seu trabalho entre folhas e computadores.

Um perfil responde muito sobre a pessoa. Observá-la de perfil, define ainda mais. Com as pontas dos cabelos brancos amarelados, como a sobra do leite materno nos lábios do bebê, cultiva a raiz marrom. Apresenta-se sentada realizando um trabalho manual, mas sua função naquele estabelecimento se mostra confusa. Talvez o cargo seja secretária, ou quem sabe ali a chamem de atendente. As contradições aparecem desde as cores das suas madeixas.

Usa uma pequena presilha que puxa sua franja para trás. Outrora devia lhe parecer desordenada. Chove lá fora. Mulheres são duras consigo mesmas em dias assim. Os temperamentos atípicos começam pela cor das roupas, passam pela cor da pele e terminam no estado de espírito. Essa moça parece não ter opção. Usa terno pré-confeccionado para sua função ainda não definida, com bordados discretos que caracterizam o nome do banco. Sua pele, entretanto, que parece ser branca (quase um suco de maçã de soja) hoje é da cor da nuvem de água: cinza. E o humor se mostra num estado bipolar.

Localizada no meio da grande sala, que se divide apenas por mesas de escritório, ela está no lugar mais alto. Um palanque sustenta seu balcão arredondado. Uma redoma sem vidros, apenas delimitada, quase uma rosa apática esperando pelo seu Pequeno Príncipe. Enquanto ele não chega, é claro, ela trabalha. Movimentos bruscos de cortar, grampear, digitar e atender. Quase uma música, que o cotidiano faz com que passe despercebida. Ela parece cantarolar para si mesma, sem perder a compostura.

Tem ares de magra – se o ângulo for seus braços. Talvez cultive uma barriguinha discreta. As pontas das orelhas vermelhas alarmam um calor tímido, que logo se escancara com o contraste das unhas da mesma cor. Aí pode estar seu segredo: fogo. Esconde-se atrás da postura de organização. Porém, à noite, deve despertar um lado agressivo. Animado e impulsivo. Troca o delicado brinco de pérolas que usa durante o dia, pela argola provocante da escuridão. Parece ser a hora certa de esquecer-se da boa moça.

A chefe passa. Tenta descontrair, mostra os dentes e diz “Oi!”. Os ombros ainda estão rígidos formando uma linha reta. Já os olhos denunciam um rímel colocado às pressas, que pintam a curvatura meia-lua. Ela é bem treinada. Mecânica e eficiente. Atende ao telefone e demonstra expressões faciais: os redondos da bochecha levantam e esmagam o nariz. Dizem que as pessoas sinceras reagem mesmo sem ver quem está do outro lado da linha. Pode ser honesta.

Ao encará-la de frente, os olhos se mostram penetrantes. São separados por um nariz comum: bolinha de gude na ponta, curvatura diagonal. Já o olhar, cor de mel que fita o mar verde, pede uma observação melhor. Eles falam. Retratam uma moça incomum que guarda seus desejos. Ela pisca devagar e abre um meio sorriso. Para ela, aquilo já basta. São 10h:14min.

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